Enfrentado a narrativa dominante:

um projeto da psicologia comunitária em parceira com os sobreviventes da institucionalização psiquiátrica

Luís Sá-Fernandes1; José H. Ornelas1; Maria João Vargas-Moniz 1.
1. Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion ISPA – Instituto

 

INTRODUÇÃO

As recomendações para a Desinstitucionalização da ONU, de 2022, exige que os Estados acabem com a Institucionalização, porque é contraditória ao direito de viver de forma independente e uma violação dos direitos humanos. A OMS, no seu documento sobre os direitos humanos e saúde mental, de 2023, exige a superação da institucionalização e o término do uso de práticas coercivas, violência, abuso e negligência. Influenciado pelo modelo dominante na saúde mental, o modelo biomédico, as práticas de controlo social, a institucionalização e a transinstitucionalização contribuem para a exclusão social e discriminação das pessoas com doença mental (Mahomed, 2020; Puras & Gooding, 2019; Segal, 2013). O processo de diagnóstico e tratamento psiquiátrico, transforma as pessoas a as suas histórias pessoais, em “casos”. As pessoas são vítimas de injustiça epistémica (Fricker, 2007) e as suas histórias passam a ser recursos ignorados, desvalorizados (Rappaport, 1995). Desta forma, parte do processo de empoderamento é a de reconquista das suas histórias de vida (Chamberlin, 1997). O direito de cada um poder contar a sua própria história é um indicador de empoderamento psicológico (Rappaport, 2000).

 

CONSTRUTOS CHAVE

Injustiça Epistémica

Refere-se ao dano que resulta de privar uma pessoa da sua capacidade de poder interpretar ou ter conhecimento sobre a sua própria experiência, devido ao preconceito de que é alvo (Fricker, 2007).

Investigação Ativista

Abordagem metodológica, que apoia movimentos sociais emancipatórios, através de diferentes formas de colaboração entre académicos e não-académicos, em vista á mudança de problemas sociais (Martinez, 2023);

Mad Studies”

Com origem nos movimentos dos sobreviventes da psiquiatria, oferece uma perspetiva alternativa onde a experiência e a voz dos sobreviventes é fundamental (Macdonald et al., 2018);

Narrativas Episódicas

É uma abordagem que contextualiza as histórias pessoais das pessoas entrevistadas, respeita a visão dos próprios sobreviventes e oferece a oportunidade de escolher o conteúdo e os detalhes da sua própria experiência (Flick, 2000; Mueller, 2019).

Recolha de Narrativas

Possibilita aos membros da comunidade de sobreviventes de institucionalização psiquiátrica, ampliar e dar valor à sua experiência, de forma a descobrirem e criarem novas histórias com que se identifiquem positivamente (Olson & Jason, 2011). A essência da mudança pessoal e social está no ato colaborativo de apoiar o outro a transformar “histórias de horror em histórias de alegria”. Devolver o direito de contar a sua história (Rappaport, 2000).

 

REFERÊNCIAS

Chamberlin, J. (1997). A working definition of empowerment. Psychiatric Rehabilitation Journal, 20(4), 43–46.

Flick, U. (2000). Episodic interviewing. In Qualitative Researching with Text, Image and Sound (pp. 76-92). SAGE Publications Ltd, https://doi.org/10.4135/9781849209731

Fricker, M. (2007). Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing (Oxford, 2007; online edn, Oxford Academic, 1 Sept. 2007), https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780198237907.001.0001, accessed 16 Sept. 2024.

Macdonald, S. J., Charnock, A., & Scutt, J. (2018). Marketing ‘madness’: conceptualising service user/survivor biographies in a period of deinstitutionalisation (1975–2014). Disability & Society, 33(6), 849–865. https://doi.org/10.1080/09687599.2018.1463195

Mahomed F. (2020). Addressing the Problem of Severe Underinvestment in Mental Health and Well-Being from a Human Rights Perspective. Health and human rights, 22(1), 35–49.

Martínez, M. A. (2024). Activist Research as a Methodological Toolbox to Advance Public Sociology. Sociology, 58(4), 832-850. https://doi.org/10.1177/00380385231219207

Mueller, R. A. (2019). Episodic Narrative Interview: Capturing Stories of Experience With a Methods Fusion. International Journal of Qualitative Methods, 18. https://doi.org/10.1177/1609406919866044

OHCHR (2022). CRPD/C/5: Guidelines on deinstitutionalization, including in emergencies. Geneva: United Nation. https://www.ohchr.org/en/documents/legal-standards-and-guidelines/crpdc5-guidelines-deinstitutionalization-including

Olson, B.D., & Jason, L.A. (2011). The community narration (CN) approach: Understanding a group’s identity and cognitive constructs through personal and community narratives. Global Journal of Community Psychology Practice, 2(1), 1-7. Retrieved , from http://www.gjcpp.org/

Ornelas, J. (2008). Psicologia comunitária. Fim de Século.

Puras, D., & Gooding, P. (2019). Mental health and human rights in the 21st century. World Psychiatry, 18(1), 42–43. https://doi.org/10.1002/wps.20599

Rappaport, J. (1995). Empowerment meets narrative: Listening to stories and creating settings. American Journal of Community Psychology, 23(5), 795–807. https://doi.org/10.1007/BF02506992

Rappaport, J. (2000), Community Narratives: Tales of Terror and Joy. American Journal of Community Psychology, 28: 1-24. https://doi.org/10.1023/A:1005161528817

Segal, S. P. (2013). Deinstitutionalization. Em S. P. Segal, Encyclopedia of Social Work. NASW Press and Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780199975839.013.101

WHO and OHCHR (2023). Mental health, human rights and legislation: guidance and practice. Geneva: World Health Organization and the United Nations. https://www.who.int/publications/i/item/9789240080737

Informação para contacto

Se tiver quaisquer questões sobre esta investigação, por favor contacte Luís Sá Fernandes através do contacto de correio eletrónico luis.safernandes@ispa.pt